Free Horse ani 1 Cursors at www.totallyfreecursors.com

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A Literatura na poltrona



Hessel e Morin entre os imateriais



        De que lado está a literatura? Do lado da eficácia e dos bons resultados, ou da dúvida e da surpresa? A pergunta _ que sempre me volta _ reaparece enquanto leio "O caminho da esperança", breve ensaio a quatro mãos de Stéphane Hessel e Edgar Morin publicado pela Bertrand Brasil. Detenho-me, em especial, em um breve (e precioso) capítulo chamado "A política do bem-viver". 

        "O bem-viver pode parecer sinônimo de bem-estar", os autores se apressam a distinguir. "Mas, em nossa civilização, a noção de bem-estar reduziu-se a seu sentido material". A literatura, é claro, está do outro lado, pertence à esfera do imaterial. Sim, as editoras e livrarias têm seus lucros, os escritores ganham seus direitos autorais. Mas a essência da literatura se encontra em outro lugar. Ele não se pega e ela não se paga também. 

        A literatura - seguindo a pista oferecida por Hessel e Morin _ está do lado do 
bem-viver. Enfatizam os autores: "Sem dúvida alguma, o bem-viver (...) deve opor-se a uma concepção quantitativa, que acredita buscar e alcançar o bem-estar no 'sempre mais' ". Para Hessel e Morin, o bem-estar não tem relação alguma com valores como o conforto, o luxo e a fartura. "Ele engloba, antes de mais nada, o bem-estar afetivo, psíquico e moral". Trabalha não com o luxo, mas com o lixo _ com tudo aquilo que nosso mundo de consumo rejeita como dejeto.

        Sempre estranho quando caminho pelos shoppings e, entre as butiques da moda, 
lojas de departamento e quarteirões de sanduíches, esbarro com uma livraria. É verdade: as livrarias de shopping são dominadas pelos best sellers de piscina, pelos cedês, devedês, produtos de papelaria. A literatura ocupa, em geral, um espaço restrito e secundário. Ainda assim, é surpreendente vê-la ali, espremida entre as modas transitórias do consumo e os equipamentos da alta tecnologia. Ali, pequena e esquiva, massacrada pelos modismos. Quase fora do lugar. Ou realmente fora dele. 

        Insistem Hessel e Morin: "Contra a hegemonia da quantidade, do cálculo, do possuir, devemos promover uma vasta política de qualidade de vida, ou seja, mais uma vez, do bem-viver". Não se trata de optar por uma vida monástica e pela penúria. Não se trata de preferir o sofrimento, ou a miséria. Ocorre que, em meio à loucura do consumo, em que a quantidade dá as cartas, o bem-viver aponta para o singular e o individual. Aponta para o mínimo e o íntimo. E quem gostar de ostentar o pouco? Quem pode exibir sua vida interior? 

        O bem-viver considera os indivíduos, como dizem Hessel e Morin, "seres dotados de autonomia, inteligência e afetividade". São exatamente esses os elementos imateriais que entram em jogo na literatura. Para ler, é preciso enfrentar a solidão. É preciso paciência 
no trato lento do pensamento. E é preciso não temer a turbulência dos afetos. Atitudes que nosso mundo prático costuma rejeitar, como noções perigosas e, mesmo, obsoletas. Aceito a ideia: a literatura trabalha com o obsoleto. Mas há uma palavra melhor: ela trabalha com o arcaico. E que utilidade tem o arcaico em um cotidiano pautado pelas griffes da moda? 

        Continuam Hessel e Morin: "Nossas vidas são polarizadas entre uma parte prosaica, 
que suportamos sem alegria, por pressão ou obrigação, e outra poética, representada por tudo aquilo que nos confere plenitude, fervor e exaltação". E resumem, de um modo muito belo, seu pensamento: "A prosa da vida nos permite sobreviver. Mas viver é fazê-lo 
poeticamente". Somos seres divididos, não podemos escapar das imposições do mundo material. Mas sem a experiência imaterial _ sem a poesia _ não existe vida que mereça esse nome.

Sem comentários:

Enviar um comentário